Santa Marina

Há muitos anos atrás, supõe-se na segunda metade do século sétimo d.C., na antiga cidade de Betinia, no oeste da Turquia, próxima à cidade de Constantinopla, hoje denominada Istambul, nasceu Marina, filha de bons pais, dos quais só é conhecido o nome do pai, Eugênio. Ficando órfã de mãe e sendo filha única, foi educada na vida cristã somente pelo pai.

Quando era adolescente, um dia seu pai contou-lhe a intenção de tornar-se monge e para salvar sua alma, abdicaria de todos os seus bens. Não foi fácil convencer a filha de seu novo projeto de vida, mesmo porque, Eugênio recorria freqüentemente às citações bíblicas para defender seu próprio ponto de vista. Mesmo diante das lamentações e do pranto de sua filha, ele estava irredutível na sua decisão de entrar para o mosteiro, onde ela não poderia mais viver com ele.

Assim sendo, Marina propôs ao pai que ela também entrasse para a vida religiosa no mosteiro, mas vestida de homem. Eugênio, feliz com a resolução de Marina, vendeu todos os seus bens e os distribuiu aos pobres. Depois de cortar-lhe os cabelos, disfarçando-a como um jovem rapaz, a chamou obviamente, de “Marino”, porque na vida monástica não era permitida a entrada de mulheres. Marina, depois dos últimos avisos de seu pai, prometeu conservar-se sempre pura para Cristo e nunca ser reconhecida como uma mulher.

A vida monástica

Eugênio e Marina, com esse segredo, ingressaram para a vida monástica. E assim, o jovem “Marino”, progredia dia-a-dia, em todos os sentidos, em virtude e empenho espiritual. Os demais monges do mosteiro pensavam que “Marino” fosse um rapaz, mas estranhavam sua voz delicada e a ausência de barba, então, atribuíam à exagerada atividade religiosa e a prática de alimentar-se somente a cada 2 dias. Pouco tempo depois Eugênio morreu. Mas, a filha Marina continuou no empenho severo da virtude monástica.

Naquele mosteiro viviam quarenta monges e, todos os meses, um grupo de quatro deles, era convidado pelo abade do mosteiro, para sair fora do local sagrado e angariar recursos, porque disso dependiam também outros eremitas solitários para sobreviverem naquela região. Na metade do caminho havia uma hospedaria, onde os monges, cansados da viagem, tinham a oportunidade de restaurarem-se e de repousarem, assim continuando no dia seguinte a volta ao mosteiro.

Certa ocasião, quando “Marino” já estava com 17 anos, o abade chamou-o para prosseguir junto com eles, já que era perfeito em tudo e em modo particular na obediência, propôs-lhe então sair a serviço da comunidade monástica. “Marino” obedeceu no mesmo instante à ordem recebida. Saiu junto com outros 

três companheiros e durante o trajeto pararam um pouco na hospedaria, onde encontraram casualmente um soldado.

O acusado inocente

O dono da hospedaria tinha uma filha, cujo soldado desconhecido, que ali passava, seduziu-a e engravidou-a. Depois que o soldado soube do fato e para livrar-se da responsabilidade persuadiu a moça a revelar para seu pai que estava grávida daquele monge jovem e belo chamado “Marino”, que ali tinha estado. Depois de certo tempo, o dono da hospedaria, percebendo a ilegítima gestação da filha, quis saber a verdade. E ela contou-lhe que o responsável pela gravidez era o jovem monge “Marino”, quando estivera lá hospedado há tempos atrás.

O pai, envolto pela indignação, se precipitou logo em ir ao mosteiro gritando: “Onde está aquele indivíduo, falso cristão, que vocês chamam de monge?”. Ele foi recebido pelo secretário do sacro recinto perguntando o motivo de tanto rancor. O dono da hospedaria, depois de trocar palavras rudes com o paciente secretário, foi levado ao abade, contando como tudo aconteceu e como fora comprometida a fama e honra de sua filha, na qual colocava toda a confiança. E toda culpa foi recaída ao monge “Marino”. O abade, caindo das nuvens, diante de um fato desta natureza tranqüilizou o pai, prometendo-lhe que “Marino” seria retirado dos serviços monásticos, sendo imediatamente expulso do sagrado lugar. E assim aconteceu, com uma severa ordem a “Marino”, porque por sua causa tinha exposto os monges e o monastério àquela humilhação.

Neste momento, “Marino” que estava totalmente inocente não se defendeu da calúnia e de cabeça baixa, balbuciou entre lágrimas: “Perdoa-me Pai, em nome do Senhor, porque eu perdi a cabeça como um homem qualquer”.

A disciplina monástica impunha severíssimas providências num caso deste gênero e, “Marino” foi expulso do mosteiro. Ele, todavia, por amor à vida monástica, não quis se afastar muito dos muros do sacro local, se estabelecendo à porta principal, expondo-se desta forma ao calor do verão, como também ao frio nos meses gelados do inverno, cumprindo a penitência que lhe fora imposta pelo abade. Vivia deitado no chão, jejuando, chorando e implorando misericórdia divina, recebendo apenas algumas poucas esmolas de mãos bondosas que o viam sofrer.

Pai de um menino que não era seu

Os monges que entravam e saiam do mosteiro perguntavam a “Marino” porque permanecia ali com tanta aflição. Ele respondia: “Eu pequei, por isso mereci o inferno”. A filha do dono da hospedaria, no momento do parto, deu à luz a um menino. Seu pai, ainda tomado pela fúria, pegou o menino e o entregou a “Marino”. Este abrigou o menino nos braços e lamentou-se dizendo: “Ai de mim miserável criatura! Eu recebo este menino como pena da minha culpa, mas por que esta infeliz criança deve morrer comigo?” A partir daquele momento “Marino” se deu conta que precisava procurar leite com os pastores da vizinhança para nutrir o menino com o afeto de um pai. Não bastava a “Marino” a humilhação de uma causa de cujo episódio era inocente, e mais, a criança sujava o hábito de monge com o choro e as outras necessidades fisiológicas próprias de um bebê.

Depois de três anos deste heroísmo de caridade, os monges, admirados pela grande virtude de “Marino”, se apresentaram ao abade pedindo clemência por ele e que fosse recolhido ao mosteiro, porque tinha se arrependido de toda sua culpa, sem dúvida alguma. Os monges diziam: “De que maneira Deus poderia perdoar os nossos pecados todos os dias se, no entanto, deixamos um irmão há três anos à porta do mosteiro, exposto às intempéries das estações climáticas?” Ao final, o abade se convenceu. E determinou a “Marino” e ao menino que fossem recolhidos à comunidade monástica por motivo de solidariedade mas, com a condição de considerá-lo o último dos últimos, impôs-lhe como continuação da penitência, depois de ter sofrido todos esses anos, os serviços mais pesados e humilhantes que havia. Os monges que entravam e saiam do mosteiro perguntavam a “Marino” porque permanecia ali com tanta aflição. Ele respondia: “Eu pequei, por isso mereci o inferno”. A filha do dono da hospedaria, no momento do parto, deu à luz a um menino.

Marino agora no mosteiro

O inocente monge agradeceu sua decisão, recebendo com grande honra poder reentrar, nem que somente no átrio do mosteiro. “Marino” atendia a tudo com empenho, temor e arrependimento no coração.  Dia após dia o menino crescia, “Marino” educava-o com zelo e na virtude monástica, a ponto de confeccionar para ele um hábito de monge.

Depois de um tempo, o abade percebeu que fazia três dias que Marino não se apresentava ao coral dos cantos dos Salmos, como era de costume, pois era sempre o primeiro de todos a chegar. Perturbado com sua ausência, disse aos monges: “Vão até a cela de Marino para ver se por acaso ele está adoentado”.

A calúnia desmascarada

E assim, entrando na cela, os monges encontraram “Marino” morto com a criança sentada a seu lado, chorando. O abade logo foi avisado e manifestou o seu aborrecimento pela condição de “Marino” ir ao encontro de Deus sem a adequada confissão de seus pecados. Então, ordenou aos monges que ele fosse sepultado.

Neste momento, conforme a norma litúrgica da época, os irmãos providenciaram lavar o cadáver. Mas qual foi a surpresa quando perceberam que se tratava de uma mulher. E todos começaram a gritar repetidamente em voz alta: “Kyrie eleison”, ou seja, “Senhor, piedade!”.

O abade, ouvindo as vozes, quis saber o que tinha acontecido. Eles responderam que “Marino” era uma mulher. No mesmo instante, o abade precipitou-se para dentro da cela e se pôs a lamentar em prantos diante do defunto: “Tamanha penitência não foi feita assim por ninguém até hoje. Serva de Deus, tu não declarastes o teu segredo e eu não tive luzes suficientes para distinguir a pureza de tuas ações”. Após, a primeira coisa que fez foi informar o dono da hospedaria, anunciando a morte de “Marino”. O dono da hospedaria, atônito, permaneceu emudecido. Neste instante chegou inesperadamente sua filha, que há tempos era escrava do demônio e contou somente agora a verdade, que um soldado a tinha enganado e seduzido e, imediatamente foi liberada daquela possessão diabólica, constituindo assim, o primeiro milagre.

O abade ordenou que o corpo da Santa fosse exposto na capela do Mosteiro, e sabendo do ocorrido, das proximidades vizinhas afluíram muitas pessoas àquele local para velar seu corpo e admirar tamanha maravilha da graça divina, louvando a Deus seu nome.  Marina foi sepultada no mosteiro ao som de hinos e salmos invocando a Deus sua pureza e santidade.

Muitos milagres aconteceram por intercessão de Santa Marina e em 17 de julho de 1230, as suas relíquias foram transportadas para Veneza, na Itália, onde se conservam até hoje, na Igreja Santa Maria Formosa.  E assim, Santa Marina, exemplo de humildade e fidelidade a Deus, é invocada pelos fiéis como poderosa intercessora diante de Jesus, nos casos de maiores provações, doenças ou calúnias.